UMA DOLOROSA EXPERIÊNCIA
Tudo começou em março de 2004, meu pai, seu Valter, morador da pacata cidade de Carlos Barbosa, homem saudável, forte e de músculos avantajados, frutos da academia do trabalho, começou a reclamar de dores e solicitou que o levassem ao hospital, algo relativamente estranho, pois era a primeira vez que o via fazendo um pedido destes. Papai sempre foi um homem resistente, que trabalhava incansavelmente, inclusive em muitos feriados e, devido a esse fato, muitas vezes, nem tínhamos tempo para conversar e para aproveitar as coisas boas da vida juntos.
Já no hospital, os médicos fizeram alguns exames e, após dois dias, lhe deram alta, argumentando que nada havia de errado e, assim, ele foi para casa. Na mesma madrugada, acordei ouvindo seus gemidos e ele novamente pedindo para ir ao hospital. Minha mãe e eu achamos melhor levá-lo para outro hospital, e assim o fizemos, chamando uma ambulância e levando-o para o Hospital Tacchini de Bento Gonçalves. Neste hospital, um médico muito atencioso, Dr. Oscar, diagnosticou um cálculo renal, dizendo que havia necessidade de uma cirurgia. Até o momento, tudo estava tranquilo, seria uma simples cirurgia para a retirada de uma pedra no rim, sem maiores preocupações. Porém, não foi o que aconteceu, pois na mesa de cirurgia o diagnóstico foi outro. Na verdade, não havia nenhuma pedra, mas um tumor, do qual foi retirado um pequeno pedaço para a biópsia. Isso só ficamos sabendo ao término da cirurgia, quando Dr. Oscar relatou que o problema era um pouco mais complicado do que se pensava e que, na verdade, era um câncer. O doutor nos informou também que a partir daquele momento, papai passaria a ser atendido por uma equipe médica, pois esse era o procedimento correto nesses casos. Minha mãe pediu que não contassem ainda a ele sobre a doença. Na hora, o médico disse que sim, que esperaria um pouco. Contudo, dias depois, minha mãe o procurou, dizendo que achava que estava na hora de contar a verdade, mas que ela não queria fazer isso sozinha, e foi nesse momento que descobrimos que meu pai já sabia de tudo, mesmo antes de nós, porque os médicos haviam lhe contado ainda quando estava na mesa de cirurgia. Dr. Oscar comentou que seu Valter tinha reagido bem à notícia, dizendo que faria o tratamento e tudo ficaria bem.
O tempo foi passando e as preocupações e angústias aumentavam a cada dia. O resultado da biópsia não vinha, pois o exame havia sido encaminhado para São Paulo, até que, 20 dias depois, a médica oncologista, que fazia parte da equipe que o estava atendendo, ligou avisando que o exame havia chegado no laboratório de Bento Gonçalves e solicitando para que eu fosse retirá-lo. Tatiana, minha amiga, me acompanhou; peguei o exame e fui ao hospital entregá-lo à médica. Torcia para que o resultado fosse o melhor possível e assim o foi. Sentada em frente à médica, com minha amiga em pé ao meu lado, tranquilizei-me, pois a doutora relatou que era um tumor benigno e que seria necessário apenas um simples tratamento, e depois meu pai poderia voltar para casa. Entretanto, não foi o que de fato aconteceu. Até hoje me pergunto se foi um diagnóstico errado, incompetência médica ou se ela não quis me contar a verdade, pois é assim que vejo isso até hoje. .
Diante disso, papai teve que iniciar imediatamente um complicado e doloroso tratamento. Por todos os meses procurei acompanhá-lo. Naquela época, trabalhava das 6 horas da manhã até a 1 hora da tarde. Então, após sair do trabalho, pegava um ônibus praticamente todos os dias para vê-lo. O cansaço tomava conta de mim e decidi trancar a faculdade por um tempo. Toda vez que voltava para casa do hospital, sentia uma profunda solidão, já que minha mãe tinha que ficar sempre junto com ele. Assim, era somente eu e meu pequeno himalaia naquele apartamento que parecia dez vezes maior do que realmente era. Esperava para que os finais de semana chegassem para que pudesse ter a companhia de meu namorado e de meus irmãos.
Devido à triste situação, procurava entender por que isso havia acontecido e, certa ocasião, perguntei ao Dr. Oscar qual seria a causa daquele tumor, e sua resposta foi que era comum em pessoas que fumavam e bebiam. No entanto, para mim, isso era um absurdo e totalmente sem lógica. Seu Valter nunca havia posto um cigarro e, muito menos, uma gota de álcool em sua boca. Porém, não havia outra explicação, o tumor estava lá, e pronto.
Com o passar do tempo, percebi que nada tinha de benigno naquele tumor, e os dias se tornavam cada vez mais difíceis, tanto para ele, como para a família. De casa para o hospital, do hospital para casa, onde não conseguia ficar sequer um dia inteiro. As dores eram muitas e em casa não havia nada que pudéssemos fazer. Por isso, a equipe médica achou melhor não o liberar mais, e determinou que ele deveria ficar no hospital até que melhorasse bem. Foram vários exames, quimioterapias e radioterapias, acompanhei-o em muitas delas apesar de não gostar nenhum pouco do que via naquela sala: um paciente do lado do outro, todos fragilizados pela doença, recebendo coquetéis de remédios para combatê-la e, se já não bastasse isso, depois ainda vinham os horríveis efeitos colaterais, como vômitos, tonturas e falta de apetite. Começaram também as cirurgias, e, a cada uma, era um termo de responsabilidade assinado por um familiar, pois todas apresentavam risco de morte. Mas não havia outra escolha. As palavras da equipe médica eram sempre as mesmas: com a cirurgia há uma esperança, sem ela não sabiam quantos dias ele poderia suportar. Elas demoravam horas e ficávamos, eu, meus irmãos e minha mãe na sala de espera, esperando por uma resposta.
Mais dias se passavam e as coisas só pioravam até que tiveram que deixá-lo na UTI, onde podíamos entrar apenas um por vez e por poucos minutos. Este era um lugar que eu jamais desejaria ter entrado, não consigo descrevê-lo muito bem, porque caminhava em direção ao leito dele procurando não olhar para os lados, com medo do que poderia ver. Só me recordo de que apenas uma cortina separava um leito do outro; as pessoas estavam completamente debilitadas, lutando contra doenças, recuperando-se de alguma cirurgia ou acidente, lutando contra a morte. Da primeira vez que entrei, saí chorando desesperadamente, com uma sensação de impotência, uma mistura de sentimentos de tristeza e ódio: o primeiro por meu pai estar entre aquelas pessoas, o segundo por ver que nada podia fazer e perceber o quanto a vida estava sendo injusta. Quando ele saiu da UTI parecia estar tão bem e que finalmente iria melhorar.
Já era novembro e, no dia 2, a solidão me atormentava. Então, liguei para minha irmã pedindo se podia dormir na casa dela. Lembro que acordei às 5 horas da manhã, levantei e vi que ela não estava mais em casa. Liguei para ela imediatamente que atendeu dizendo que papai não estava nada bem. Meu irmão veio me buscar, o caminho para o hospital nunca me pareceu tão longo, ao sair do elevador que dava para o corredor já avistei alguns parentes, tios, primos e percebi que realmente as coisas não estavam nada boas. Entrei no quarto, minha mãe estava ao seu lado, ele estava vivo, com os olhos cerrados, mas vivo, apenas respirava, não falava e nem se mexia. Fiquei por horas naquele quarto, sentada ao seu lado; pessoas entravam e saíam, falavam, não me lembro o que, mas falavam, recordo somente de uma fala, que foi de minha mãe para minha irmã que ia em direção à porta: “não esquece de pegar o terno e o terço”. Continuei naquele quarto querendo que tudo aquilo fosse um pesadelo e imaginando que eu iria acordar e ver que nada daquilo estava acontecendo. Mas, infelizmente, aquela era a mais pura realidade e por volta das 3 horas da tarde, exatamente uma semana antes de eu completar 27 anos e após oito meses de dor e luta, tudo chegava ao fim. O tumor havia tomado conta, pouco a pouco, dos outros órgãos e naquele leito de hospital, naquela cama, já não havia mais aquele homem saudável e forte que eu sempre via antes da terrível doença, pelo contrário, estava muito magro, não haviam mais músculos que resistissem à força daquela impiedosa doença que o venceu. E assim ele se foi. É difícil explicar exatamente o que senti naquela hora, pois não há palavras que descrevam a dor que sentia. Aquele foi o momento mais triste e doloroso de minha vida, senti um terrível aperto no peito e uma profunda solidão já tomava conta de mim, pois sabia que todos os bons momentos que vivemos juntos nunca mais iriam se repetir e também me dei conta do fato de que muita coisa deixou de ser feita e dita enquanto tínhamos tempo. Além disso, juntamente com toda aquela dor e tristeza, vinha um sentimento de inconformação por ver meu pai morrendo na minha frente e nada poder fazer.
Naquele momento constatei, na prática, que a velha teoria “só damos valor às coisas quando as perdemos” era a mais pura realidade. Desde então, vivo a cada dia como se fosse o último, não guardo mágoas, nem ódio, nem rancor. Porém, sempre sentirei falta do tempo que deixei de passar com ele enquanto gozava de plena saúde.
Observação: Este texto foi produzido por mim na disciplina de Leitura e Produção Textual I.